Você disse para mim que sempre que eu quisesse poderia escrever uma carta para ti, aqui estou com uma caneta e um papel na mesa, olhando para o dia passar diante de meus olhos. A xícara de café permanecer imóvel durante horas. Eu não conseguia escrever. Sempre que começava, tornava a chorar diante do espelho, sendo minha própria mártir. E agora, estou prestes a perder o controle, que eu já não tinha muito.
Eu te decepcionei. Prometi que jamais faria isso novamente, mas tornei a fazer quando você saiu de perto de mim. Sim, eu andei me cortando. Eu precisava disso, eu sei que talvez você não entenda, eu sei que talvez você brigue. Mas não me importo, tive meus motivos para fazê-lo. A verdade é que ainda me acho doente demais para ser poeta. Ainda me acho sensível demais para viver nesse mundo. Eu preciso disso. Preciso da dor que você não dá. O quão mais fundo eu for, melhor vai ser, quanto mais sangue brotar, quanto mais me afligir, quanto mais chorar, melhor ficará.
Eu não espero nada de você, como também não espero nada de mim. Estou começando a me odiar e minha existência começa irritar. Sei que você não tem nada a ver com meus dramas pessoais, mas precisava desabafar, não que eu realmente te mande essa carta, provavelmente eu simplesmente a queime e deixe passar.
Lembra de como a gente disputava para ver quem chegava mais perto do fundo do poço? era uma brincadeira engraçada e amargurada. E agora tenho certeza absoluta que passei do fundo há muito tempo e estou esperando alguém me dizer para parar de cavar por que já nao tenho mais dedos.
Sinceridade? estou vivendo nesse mundo à base de remédios, por que já não consigo aguentar a consciência me alertando do mal que faço à mim mesma. Talvez eu seja um perigo, talvez eu não deva pertencer nesse mundo.
Eu perdi meu controle e não estou esperando que você venha aqui tentar retomá-lo, na verdade, estou começando a gostar de ter essa insanidade. Ó ,querida Sanidade, quisera eu me importar com você, já não ligo mais em te perder para ter mais uma lembrança dela em mim, não me importo de lhe matar friamente se eu puder tê-la em meus sonhos novamente.
Sim, eu perdi o controle. Mas eu não me importo.
Enquanto você andava pelo mundo, vivendo suas aventuras, vivendo seus momentos, vivendo. Eu passei a maior parte do tempo sem conseguir distinguir a realidade da ilusão, meus sonhos de minhas lembranças, acho que estou doente. Acho que estou doente de amor. Mas não se preocupe, já fiz uma roupa que me cai bem, já fiz uma máscara carnavalesca para esconder a feiura, a dor, atrás de mim.
E minha alma está embriagada com o cheiro da morte. Até a natureza de mim se afastou. Já não sei quem sou, já não sei quem era. Pretendo ser o produto final do ser vivo, pretendo ser mais uma carne putrefaz alimentando o chão com seus nutrientes suicidas.
Observo no espelho minha fisionomia, não me reconheço, cabelos sujos e bagunçados, olhos vazios, palidez. Sanidade, ó querida Sanidade, fui lhe abandonando aos poucos para que tu pudesse me deixar viver no torpor que tanto acolho como filho, tanto acolho como droga.
Estou escrevendo esta carta à você, não para que me ajude a voltar a ser como era, não que me ajude a sair desse fim. Estou escrevendo para que você pare de insistir nessa história sem volta, para que pare de tentar lutar por uma luta vencida. Pela desistência.
Por mim, por favor, pare de me mandar falsos amores, pare de tentar me fazer feliz, acho que isso não é mais possível para alguém como eu.
Você sabia que quando alguém morre, seu ultimo pensamento fica gravado no corpo?
Eu só queria ter escolhido bem minhas últimas palavras, eu só queria ter escolhido bem meus últimos pensamentos.
O máximo que consegui dizer, pensar, falar ou escrever, antes de tomar aquele café frio.
Antes de me apunhalar bebendo minha morte, antes de tomar o suicidio em forma de grãos.
Aos meus últimos pensamentos você faz parte.
À minha ultima escrita você faz parte.
À minha ultima trajetória, meu último passo, você faz parte.
E aos meus últimos suspiros, você tbm o faz.
Vamos brindar, com as ultimas palavras.
Vamos brindar.
Vamos brindar ao Amor.
Que assim pelo menos em meu corpo fique gravado a essência do meu existir.