terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A gata da rua numero 1210

  A gata que estava no sofá continuava a me encarar com aqueles verdes olhos penetrantes. Todas as vezes que eu me deparava com a felina no meio do meu caminho, meu dia parecia se tornar interessante e, de forma curiosa, vivido. Me assustava a forma como me apeguei ao animal que as vezes parecia ter alma e ora, quando parava muito tempo para admira-la, tinha a impressao que até mesmo ser mais humana do que eu. Me compreendia em meio ao silencio confortante sem que eu precisasse fazer coisa alguma.

Até hoje me pergunto como entrou na minha vida e eu nao vi, quando dei por mim a gata de rua estava toda empoleirada no meu travesseiro, dormindo e sonhando com coisas que sequer passariam na minha cabeça. Meu coração mole nao teve coragem de tira-la. Todo domingo a tarde me encontrava com a gata que se esfregava querendo aconchego, esperava me sentar naquele sofá branco no canto da sala, para se aninhar no meio de minhas pernas e ali permanecermos horas a fio.

  Nao tinha o costume de ve-la, apesar de me fazer falta. Nossos encontros eram sempre quando meu trabalho nao exigia tanto de minha carne, longe dela sentia meu peito um fundo buraco cujo o tampo nao dava para substituir. Felina egoísta gostava do meu tempo - livre ou nao - voltado todo a ela, e eu nao me importava, nós duas deitadas vendo um programa qualquer naquela televisão que nem ao menos prestavamos atenção. Encolhidas diante de um ambiente que a fala nao fazia falta. Passando a mao na cabeca do ser que pouco compreendia e com meus olhos encontrando os dela permanecemos nesse ritual durante um tempo que nao fazia pretensao de contar, estava frio, estavamos enroladas nas cobertas. Quando de subito, por amor ou impulso (ainda nao sei bem qual dos dois) a beijei.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A dama, o valete e o tempo


A dama foi envenenada e nada se pode fazer,
não foi minha, não foi sua, culpa de quem?

Nao soube guiar seu destino, se deixou levar pelos ventos que apontavam um norte que não existia. Em palavras sussurradas em um quarto mal iluminado recitava que apenas o amor pode salvar uma vida. Ironico é, que horas depois, a dama havia morrido e a tal salvacao não aconteceu. Ofereceram o cálice com a promessa de que um mundo novo ela iria ver. Agora a dama só encara o vazio e o silencio de uma eternidade escolhida por ela mesma.
A mulher nobre não teria chegado a esse ponto se ao menos tivessem avisado a ela que a sinceridade já era o suficiente, menina ambiciosa não se contentou com a felicidade e com a falsa verdade alucinou. O vinho, seco como o coração de quem bebe, foi aberto por maos amigas que riam de piadas mal vistas e jogavam o liquido preto e corpulento como se fosse uma aventura inedita. “é um barato novo, você vai gostar” diziam. A fuga da realidade nunca foi tao almejada pelos cegos bardos que ali viviam.
E você, Valete, que tanto perdeu seu tempo olhando seus próprios jardins, o que queres tanto com um cadaver apodrecido? O que tem de tao belo em um amor tao funesto? Por acaso achas que salvará tua rainha? Ela não comeu uma macã envenenada, ela é que estava podre e não é com um beijo que voltará a vida. O tempo foi o ajudante daqueles que não tinham boas intencoes, o relógio não parou depois da meia-noite e nenhum sapato de cristal foi encontrado. O conto de fadas acabou.